LÍNGUA PORTUGUESA – 5ª SEMANA
ANO/SEGMENTO: 9º Ano/ Anos Finais
COMPONENTE CURRICULAR: Língua Portuguesa
UNIDADES TEMÁTICAS: Análise linguística e semiótica.
OBJETOS DE CONHECIMENTO:
·
Estratégias
de leitura Apreciação e réplica
·
Reconstrução
da textualidade e compreensão dos efeitos de sentidos provocados pelos usos de
recursos linguísticos e multissemióticos .
HABILIDADES: (EF89LP33); (EF69LP47)
Aula 1
O CONTO
O conto é
a forma narrativa, em prosa, de menor extensão (no sentido estrito de tamanho).
Entre suas principais características, estão a concisão, a precisão, a
densidade, a unidade de efeito ou impressão total – da qual falava Poe (1809-1849) e Tchekhov (1860-1904): o conto precisa
causar um efeito singular no leitor; muita excitação e emotividade. Ao escritor
de contos dá-se o nome de contista.
Origem
De
o livro do mágico (cerca de 4000 a.C.), escrito pelos egípcios, até a Bíblia
encontram-se textos com estrutura de conto. No entanto, a autoria deles foi
perdida. O primeiro grande contista da História é tido como Luciano de Samosata
(125-192). São da mesma época Lucius Apuleius (125-180) e Caio Petrônio.
Do século XIV ao XIX Giovanni
Boccaccio (1313-1375),
em sua obra Decameron, estabeleceu as bases do que se entende por
conto. A época é marcada por contistas célebres, como Geoffrey Chaucer (que publica os Os Contos de Canterbury), Jean
de La Fontaine (autor
de vários contos infantis, como A cigarra e a formiga) e Charles Perrault, de O Soldadinho de Chumbo.
Na
Alemanha, os irmãos Grimm publicam dezenas de contos
infantis (muitos recontados dos originais de Perrault), incluindo Branca de
Neve e Capuchinho Vermelho ou Chapeuzinho Vermelho, enquanto Washington Irving estabelece-se como o primeiro contista
estadunidense relevante.
Contistas
famosos em língua portuguesa
Machado de Assis e Aluízio Azevedo destacam-se no panorama brasileiro
do conto, abrindo espaço para contistas como Clarice Lispector, Lima Barreto, Otto Lara Resende e Lygia
Fagundes Telles. Eça de
Queirós, mais conhecido
como romancista, é referência em Portugal por seus contos reunidos para
publicação em 1902, dois anos após seu falecimento.
Em Moçambique, o conto é um género próspero, como se
pode ver pela obra de Mia Couto e pela antologia de Nelson Saúte, "As Mãos dos Pretos".
A
figura do contista encontra-se perdida na atualidade, em face da valorização do
romance em oposição à prosa curta e à poesia enquanto gêneros literários. Um
dos poucos redutos em que sobrevive e, mais do que isso, impera é a ficção
científica, suportado pelas importantes contribuições de contistas modernos
como Isaac Asimov.
Você
vai ler um texto de Clarice Lispector que faz parte do livro Laços de Família.
Nele é narrada a perseguição, em pleno domingo de manhã, a uma galinha de
almoço para a família.
Uma Galinha
Clarice Lispector
Era
uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.
Parecia
calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém,
ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade
com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia
nela um anseio.
Foi
pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito e,
em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou
— o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho,
de onde, em outro voo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno
deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência
e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se
da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar,
vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha:
em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia
com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a
telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta
mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a
tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador
adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia
soado.
Sozinha
no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na
fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros
com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão
livre.
Estúpida,
tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas
suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se
pode ria contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo
crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo
uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.
Afinal,
numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre
gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa
através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda
tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que
aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez
fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, parecia
uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando,
abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava
e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo.
Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu
desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:
—
Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem!
Todos
correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando
seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era
nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a
mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento
qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal
decidiu-se com certa brusquidão:
—
Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!
—
Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros.
Inconsciente
da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A
menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida
para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: "E dizer que a
obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-se a rainha da casa.
Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos,
usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.
Mas
quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de
uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o
corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena
cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie
já mecanizado.
Uma
vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se
recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos
enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar,
ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a
expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à
luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no
começo dos séculos.
Até
que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.
Texto extraído do livro “Laços de Família”, Editora Rocco —
Rio de Janeiro, 1998, pág. 30. Selecionado
por Ítalo Moriconi, figura na publicação “Os Cem Melhores
Contos Brasileiros do Século”.
01. No ambiente familiar descrito no texto,
comer galinha aos domingos parece ser algo comum. Que fatos inesperados
ocorridos naquele dia tornaram possíveis a criação de um conto sobre o assunto?
02. Relacione trechos do início, do meio e
do final do texto.
·
“Era
uma galinha de domingo”.
·
“(...)
a galinha tinha que decidir por si
mesma os caminhos a tomar sem nenhum auxílio de sua raça”.
·
“
De pura afobação a galinha pôs um
ovo.”
·
“(...)
não mate mais a galinha, ela pôs um
ovo!”.
·
“(...)
a galinha passou a morar
Observe
as palavras destacadas e responda: Em que momentos ela foi considerada a galinha? E em que momentos foi
considerada uma galinha?
03. Se você pudesse escrever mais uma linha
no final do conto, qual seria?
04. Qual a diferença entre uma galinha de
domingo e outras galinhas?
05. Em várias passagens do conto os
personagens atribuem à galinha reações e sentimentos humanos. Cite duas dessas
passagens.
06. Copie em seu caderno um trecho que
mostra o fato de a galinha estar chocando o ovo.
07. Leia.
“Às
vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz
galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E
então parecia tão livre.”
a) No trecho, após a palavra outro há a elipse de uma palavra. Qual
é essa palavra?
b) Na sua opinião, por que a autora usou
elipse nesse trecho?
08. Leia.
“E
dizer que a obriguei a correr naquele estado!”
Nessa
frase, o que significa a expressão naquele estado?
Aula 2
Por Um Pé de Feijão
Antônio Torres
Nunca
mais haverá no mundo um ano tão bom. Pode até haver anos melhores, mas jamais
será a mesma coisa. Parecia que a terra (á nossa terra, feinha, cheia de altos
e baixos, esconsos, areia, pedregulho e massapê) estava explodindo em beleza. E
nós todos acordávamos cantando, muito antes do sol raiar, passávamos o dia
trabalhando e cantando e logo depois do pôr-do-sol desmaiávamos em qualquer
canto e adormecíamos, contentes da vida.
Até
me esqueci da escola, a coisa que mais gostava. Todos se esqueceram de tudo.
Agora dava gosto trabalhar.
Os
pés de milho cresciam desembestados, lançavam pendões e espigas imensas. Os pés
de feijão explodiam as vagens do nosso sustento, num abrir e fechar de olhos.
Toda a plantação parecia nos compreender, parecia compartilhar de um destino
comum, uma festa comum, feito gente. O mundo era verde. Que mais podíamos
desejar?
E
assim foi até a hora de arrancar o feijão e empilhá-lo numa seva tão grande que
nós, os meninos, pensávamos que ia tocar nas nuvens. Nossos braços seriam
bastantes para bater todo aquele feijão? Papai disse que só íamos ter trabalho
daí a uma semana e aí é que ia ser o grande pagode. Era quando a gente ia bater
o feijão e iria medi-lo, para saber o resultado exato de toda aquela bonança.
Não faltou quem fizesse suas apostas: uns diziam que ia dar trinta sacos,
outros achavam que era cinquenta, outros falavam em oitenta.
No
dia seguinte voltei para a escola. Pelo caminho também fazia os meus cálculos.
Para mim, todos estavam enganados. Ia ser cem sacos. Daí para mais. Era só o
que eu pensava, enquanto explicava à professora por que havia faltado tanto
tempo. Ela disse que assim eu ia perder o ano e eu lhe disse que foi assim que
ganhei um ano. E quando deu meio-dia e a professora disse que podíamos ir, saí
correndo. Corri até ficar com as tripas saindo pela boca, a língua parecendo
que ia se arrastar pelo chão. Para quem vem da rua, há uma ladeira muito
comprida e só no fim começa a cerca que separa o nosso pasto da estrada. E foi
logo ali, bem no comecinho da cerca, que eu vi a maior desgraça do mundo: o
feijão havia desaparecido. Em seu lugar, o que havia era uma nuvem preta, subindo
do chão para o céu, como um arroto de Satanás na cara de Deus. Dentro da
fumaça, uma língua de fogo devorava todo o nosso feijão.
Durante
uma eternidade, só se falou nisso: que Deus põe e o diabo dispõe.
E
eu vi os olhos da minha mãe ficarem muito esquisitos, vi minha mãe arrancando
os cabelos com a mesma força com que antes havia arrancado os pés de feijão:
-
Quem será que foi o desgraçado que fez uma coisa dessas? Que infeliz pode ter
sido?
E
vi os meninos conversarem só com os pensamentos e vi o sofrimento se enrugar na
cara chamuscada do meu pai, ele que não dizia nada e de vez em quando levantava
o chapéu e coçava a cabeça. E vi a cara de boi capado dos trabalhadores e minha
mãe falando, falando, falando e eu achando que era melhor se ela calasse a
boca.
À
tardinha os meninos saíram para o terreiro e ficaram por ali mesmo, jogados,
como uns pintos molhados. A voz da minha mãe continuava balançando as telhas do
avarandado. Sentado em seu banco de sempre, meu pai era um mudo. Isso nos
atormentava um bocado.
Fui
o primeiro a ter coragem de ir até lá. Como a gente podia ver lá de cima, da
porta da casa, não havia sobrado nada. Um vento leve soprava as cinzas e era
tudo. Quando voltei, papai estava falando.
-
Ainda temos um feijãozinho-de-corda no quintal das bananeiras, não temos? Ainda
temos o quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o milho para quebrar,
despalhar, bater e encher o paiol, não temos? Como se diz, Deus tira os anéis,
mas deixa os dedos.
E
disse mais:
-
Agora não se pensa mais nisso, não se fala mais nisso. Acabou. Então eu pensei:
O velho está certo.
Eu
já sabia que quando as chuvas voltassem, lá estaria ele, plantando um novo pé
de feijão.
Antônio
Torres nasceu no dia 13 de setembro de 1940 num lugarejo chamado Junco (hoje
município de Sátiro Dias), na Bahia. Aos 20 anos, em São Paulo, foi chefe de
reportagem de esportes do jornal "Última Hora". Redator de
publicidade desde 1963, trabalhou em algumas das principais agências do País,
em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sua estreia literária se deu com o romance
"Um Cão Uivando nas Trevas", publicado em 1972. Em seguida, viria a
publicar mais quatro romances: "Os Homens dos Pés Redondos" (1973),
"Essa Terra" (1976), "Carta ao Bispo" (1979), "Adeus,
Velho" (1981), "Um Táxi para Viena D´Áustria" (1991),
"Balada da Infância Perdida" (1996), "O Cachorro e o Lobo"
(1997) e "Meu Querido Canibal" (2000), entre outros. Pelo conjunto de
sua obra, foi agraciado com o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de
Letras, em 2000.
Embora
se considere essencialmente um romancista, Antônio Torres tem alguns contos,
que publicou em livros e antologias, no Brasil e no Exterior.
01. Esse conto foi criado a partir de um
fato que marcou a vida do narrador quando ele ainda era menino. Você se lembra
de algo que já aconteceu com você que poderia ser transformado num conto? O
quê?
02. Como você compreende o título do conto
Por um Pé de Feijão?
03. O narrador chama a terra de “feinha,
cheia de altos e baixos, esconsos, areia, pedregulho e massapé”. O que transforma
a terra e a faz explodir de beleza?
04. Que palavras são usadas no texto para
humanizar a plantação?
05. Leia.
“Era
só o que eu pensava, enquanto explicava à professora por que havia faltado
tanto tempo. Ela disse que assim eu ia perder o ano e eu lhe disse que foi
assim que ganhei um ano.”
·
O
que você entendeu da resposta que o menino deu à professora?
06. Releia o trecho.
“(...)
e minha mãe falando, falando, falando (...)”.
·
Que
efeito o uso da repetição do verbo provoca no leitor?
07. Leia.
“Sentado
em seu banco de sempre, meu pai era um mudo. Isso nos atormentava um bocado.”
·
Por
que o silêncio do pai atormentava os meninos?
08. No texto que você leu, há uma referência
ao ditado popular: “vão-se os anéis, ficam os dedos”..
a) Indique no texto os elementos que
representam os anéis e os que representam os dedos.
b) que ditados
populares são comuns na região em você mora?
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